sábado, 18 de janeiro de 2014

OCTAVIO PAZ


Por Antonio Gasparetto Junior
Octavio Paz  foi um intelectual mexicano ganhador de um prêmio Nobel de literatura.

Nascido no dia 31 de março de 1914, Octavio Paz Lozano  era natural da Cidade do México, capital do México. Viveu boa parte de sua infância, contudo, nos Estados Unidos com sua família. Lá completou seus estudos básicos e só regressou ao México anos mais tarde, quando ingressou na Universidade Nacional Autônoma do México, para cursar Direito. Seu interesse por Literatura sempre foi latente e, após se graduar na faculdade, decidiu investir em um curso de especialização em Literatura. Já com uma grande bagagem de erudição em sua vida causada pelo ambiente familiar, as leituras e os cursos feitos, Octavio Paz viajou pelo mundo depois de concluir seus estudos. Viveu na Espanha em companhia de diversos intelectuais de sua época, mudou-se para Paris e, mais tarde, vive no Japão e na Índia.

Octavio Paz era um homem culto, conhecedor do mundo e dotado de uma formação pessoal e profissional muito erudita. Aos 31 anos de idade, ingressa no serviço diplomático do México, o que o faz viver fora do país e ter contato com mais expressões intelectuais. Sua carreira recebe grande influência dos movimentos que testemunha pelo mundo. Na França, por exemplo, Octavio Paz viveu e acompanhou o surrealismo, tornando-se amigo e seguidor de André Breton.

Octavio Paz  expressou em sua obra as marcas de sua formação como intelectual e a influência recebida pelos movimentos que testemunhou em diferentes lugares. Como escritor, aventurou-se no campo da escrita automática, estilo que procura evitar a escrita consciente do autor, permitindo um fluxo livre do texto e completamente dado ao acaso. Liberdade essa que foi criada pelos dadaístas e muito bem absorvida pelos surrealistas. Também foi autor de poesias de vanguarda, só que mais concisas e objetivas, respeitando o uso preciso da função poética da linguagem.

Além de diplomata mexicano e poeta, Octavio Paz foi ensaísta e tradutor. Publicou vários livros de poesia e de ensaios em literatura, arte, cultura e política. Sua primeira obra foi publicada em 1933, quando tinha apenas 19 anos. Entre todos os trabalhos, ganhou notoriedade por sua produção na área da poesia moderna ou de vanguarda. Tornou-se um dos maiores escritores do século XX e foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1990. Faleceu oito anos mais tarde, no dia 19 de abril de 1998 em sua cidade natal. Entre suas obras mais expressivas estão: O Labirinto da Solidão, Aparência Desnuda, Os Filhos do Limo, O Ogro Filantrópico e Pequenas Crônicas de Grandes Dias.
  
ALGUNS POEMAS DE OCTAVIO PAZ:

Teus Olhos

Teus olhos são a pátria do relâmpago e da lágrima,
silêncio que fala,
tempestades sem vento, mar sem ondas,
pássaros presos, douradas feras adormecidas,
topázios ímpios como a verdade,
outono numa clareira de bosque onde a luz canta no ombro
duma árvore e são pássaros todas as folhas,
praia que a manhã encontra constelada de olhos,
cesta de frutos de fogo,
mentira que alimenta,
espelhos deste mundo, portas do além,
pulsação tranquila do mar ao meio-dia,
universo que estremece,
paisagem solitária.
 

Silêncio

Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.
 
Vento, Água, Pedra

A água perfura a pedra,
o vento dispersa a água,
a pedra detém ao vento.
Água, vento, pedra.



O vento esculpe a pedra,
a pedra é taça da água,
a água escapa e é vento.
Pedra, vento, água.



O vento em seus giros canta,
a água ao andar murmura,
a pedra imóvel se cala.
Vento, água, pedra.



Um é outro e é nenhum:
entre seus nomes vazios
passam e se desvanecem.
Água, pedra, vento.
 
Certeza

Se é real a luz branca
desta lâmpada, real
a mão que escreve, são reais
os olhos que olham o escrito?

Duma palavra à outra
o que digo desvanece-se.
Sei que estou vivo
entre dois parênteses.
 


Conversar
Em um poema leio:
Conversar é divino.
Mas os deuses não falam:
fazem, desfazem mundos
enquanto os homens falam.
Os deuses, sem palavras,
jogam jogos terríveis.
O espírito baixa
e desata as línguas
mas não diz palavra:
diz luz. A linguagem
pelo deus acesa,
é uma profecia
de chamas e um desplume
de sílabas queimadas:
cinza sem sentido.
A palavra do homem
é filha da morte.
Falamos porque somos
mortais: as palavras
não são signos, são anos.
Ao dizer o que dizem
os nomes que dizemos
dizem tempo: nos dizem,
somos nomes do tempo.
Conversar é humano.
 


Estava emparedado dentro de um sonho,
Seus muros não tinham consistência
Nem peso: seu vazio era seu peso.
Os muros eram horas e as horas
Fixo e acumulado pesar.
O tempo dessas horas não era tempo.
Saltei por uma fenda: às quatro
Deste mundo. O quarto era meu quarto
E em cada coisa estava meu fantasma.
Eu não estava. Olhei pela janela:
Sob a luz elétrica nem uma viva alma.
Reflexos na vela, neve suja,
Casas e carros adormecidos, a insônia
De uma lâmpada, o carvalho que fala solitário,
O vento e suas navalhas, a escritura
Das constelações, ilegíveis.
Em si mesmas as coisas se abismavam
E meus olhos de carne as viam
Oprimidas de estar, realidades
Despojadas de seus nomes. Meus dois olhos
Eram almas penadas pelo mundo.
Na rua vazia a presença
Passava sem passar, desvanecida
Em suas formas, fixa em suas mudanças,
E em volta casas, carvalhos, neve, tempo.
Vida e morte fluíam confundidas.
Olhar desabitado, a presença
Com os olhos de nada me fitava:
Véu de reflexos sobre precipícios.
Olhei para dentro: o quarto era meu quarto
E eu não estava. A ele nada falta
          - sempre fiel a si, jamais o mesmo -
ainda que nós já não estejamos... Fora
contudo indecisas, claridades:
a Alba entre confusos telhados.
E as constelações que se apagavam.

Árvore adentro
Cresceu em minha fronte uma árvore.
Cresceu para dentro.
Suas raízes são veias,
nervos suas ramas,
Sua confusa folhagem pensamentos.
Teus olhares a acendem
e seus frutos de sombras
são laranjas de sangue,
são granadas de luz.
                                Amanhece
na noite do corpo.
Ali dentro, em minha fronte,
a árvore fala.
                   Aproxima-te. Ouves?

 
Entre partir e ficar
Entre partir e ficar hesita o dia,
enamorado de sua transparência.
A tarde circular é uma baía:
em seu quieto vai e vem se move o mundo.
Tudo é visível e tudo é ilusório,
tudo está perto e tudo é intocável.
Os papéis, o livro, o vaso, o lápis
repousam à sombra de seus nomes.
Pulsar do tempo que em minha têmpora repete
a mesma e insistente sílaba de sangue.
A luz faz do muro indiferente
Um espectral teatro de reflexos.
No centro de um olho me descubro;
Não me vê, não me vejo em seu olhar.
Dissipa-se o instante. Sem mover-me,
eu permaneço e parto: sou uma pausa

 
EpitÁfio sobre nenhuma pedra
Mixcoac foi meu povoado: três sílabas noturnas,
um véu de sombra sobre um rosto solar.
Vinho Nossa Senhora, a Empoeirada Mãe.
Vinho que foi comido. Eu andava pelo mundo.
Minha casa foram minhas palavras, minha casa o ar.

 
Isto e isto e isto
O surrealismo tem sido a maçã de fogo na árvore da sintaxe
O surrealismo tem sido a camélia de cinza entre os peitos da adolescente possuída pelo espectro de Orestes
O surrealismo tem sido o prato de lentilhas que o olhar do filho pródigo transforma em festim fumegante de rei canibal
O surrealismo tem sido o bálsamo de Ferrabrás que apaga os sinais do pecado original e o umbigo da linguagem
O surrealismo tem sido a cusparada na hóstia e o cravo de dinamite no confessionário e o abre-te sésamo das caixas de segurança e das grades dos manicômios
O surrealismo tem sido a chama ébria que guia os passos do sonâmbulo que caminha na ponta dos pés sobre o fio de sombra que traça a folha da guilhotina no pescoço dos justiçados
O surrealismo tem sido o prego ardente na fronte do geômetra e o vento forte que à meia-noite levanta o lençol das virgens
O surrealismo tem sido o pão selvagem que paralisa o ventre da Companhia de Jesus até que a obriga a vomitar todos os seus gatos e seus diabos encarcerados
O surrealismo tem sido o punhado de sal que dissolve as velhas moedinhas do realismo socialista
O surrealismo tem sido a coroa de papelão do crítico sem cabeça e a víbora que desliza entre as pernas da mulher do crítico
O surrealismo tem sido a lepra do ocidente cristão e o açoite de nove cordas que desenha o caminho de saída para outras terras e outras línguas e outras almas sobre o lombo do nacionalismo embrutecido e embrutecedor
O surrealismo tem sido o discurso da criança soterrada em cada homem e a aspersão de sílabas de leite de leoas sobre os ossos calcinados de Giordano Bruno
O surrealismo tem sido as botas de sete léguas dos foragidos das prisões da razão dialética e a tocha de Pulgarcito que corta os nós da trepadeira venenosa que cobre os muros das revoluções petrificadas do século XX
O surrealismo tem sido isto e isto e isto
 
FRENTE AO MAR
             1
Chove no mar.
Ao mar o que é do mar
e que as herdades sequem.
             2
A onda não tem forma?
Num instante se esculpe,
no outro se desmorona
à que emerge, redonda.
Seu movimento é forma.
             3
As ondas se retiram
- ancas, espáduas, nucas -
logo voltam as ondas
-peitos, bocas, espumas.
             4
Morre de sede o mar.
Se retorce, sozinho,
em sua cama de rochas.
Morre de sede de ar.

de SEMENTES PARA UM HINO (1950-1954)
O dia abre sua mão
Três nuvens
E estas poucas palavras
                                    PEDRA NATIVA
                                       (Fragmento)
Como as pedras do Princípio
Como o princípio da Pedra
Como no Princípio pedra contra pedra
Os fastos da noite:
O poema ainda sem rosto
O bosque ainda sem árvores
Os cantos ainda sem nome
Mas a luz irrompe com passos de leopardo
E a palavra se levanta ondula cai
E é uma extensa ferida e puro silêncio sem mácula

 


Octavio Paz







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