quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

COLETÂNEA RESGATA SUBJETIVIDADE NO CUIDADO EM SAÚDE




O livro não pretende ser um instrumento normativo ou uma ‘caixa de ferramentas’. Apresenta, porém, uma abordagem teórico-metodológica diferenciada que pode ser muito útil àqueles que desejam estudar e transformar a atual dinâmica da gestão e do cuidado em saúde. Trata-se de um caminho de investigação que vem sendo trilhado pelas organizadoras do livro e que articula três eixos, trazendo-os para o campo da saúde: a abordagem da psicossociologia francesa sobre as organizações e a sociedade (de Eugène Enriquez e André Lévy); a teoria psicanalítica sobre os processos intersubjetivos e grupais (de René Kaës); e a psicodinâmica do trabalho (de Christophe Dejours).

A coletânea tem 14 capítulos e está dividida em duas partes. A primeira traz uma discussão teórico-conceitual e se encerra com a exposição de bases metodológicas para a abordagem proposta – são as contribuições das narrativas de vida e da clínica psicossociológica. Ao longo de todo o livro, evidenciam-se os desafios colocados pela dimensão subjetiva do processo de trabalho em saúde, altamente exigente de elaborações psíquicas e de inventividade, em virtude do contato diário com a dor, a morte e o sofrimento alheios. Do mesmo modo, colocam-se os desafios para o trabalho gerencial, que, pela centralidade de sua dimensão intersubjetiva, assim como o trabalho em saúde, apresenta elevado grau de descontrole.

Creuza e Marilene, ambas doutoras em psicologia e pesquisadoras da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), apoiadas na leitura psicossociológica sobre as organizações e o imaginário social, compreendem os serviços de saúde como um universo simbólico e imaginário. De acordo com as organizadoras do livro, as possibilidades de mudança dependem do fortalecimento de dispositivos e processos de gestão e de organização do trabalho que favoreçam aos gestores e trabalhadores o acesso a sua própria subjetividade. Desse modo, eles reconheceriam as fontes de seu sofrimento e prazer no trabalho, os vínculos afetivos que os ligam à organização e o sentido do trabalho em suas vidas.

Já a segunda parte do livro reúne estudos empíricos e exemplos de intervenções orientados pela abordagem proposta pelas organizadoras. São pesquisas e/ou ações em hospitais, em serviços de atenção psicossocial, em uma unidade de saúde da família e em um serviço especializado de oncologia pediátrica, além de uma intervenção clínica psicossociológica em um curso de gestão da Ensp. Apesar das fragilidades identificadas nas práticas predominantes no SUS, analisam-se as possibilidades de mudança no cuidado e na gestão, pautadas pela capacidade de escuta, pelos espaços de diálogo e troca e pela inventividade no cotidiano do trabalho.

As diferentes experiências apresentadas buscam ressaltar que o cuidado e a gestão, quando demasiadamente centrados na racionalidade médica e instrumental, podem não só dificultar a solidariedade entre os sujeitos, mas também agravar a indiferença em relação ao sofrimento do outro. Neste sentido, os trabalhos apresentados na segunda parte do livro demonstram a importância da dimensão subjetiva e dos processos intersubjetivos na produção do cuidado, na gestão e na própria formação dos profissionais de saúde.

Assim, Subjetividade, Gestão e Cuidado em Saúde: abordagens da psicossociologia traz a necessidade de se ampliar o foco de análise e de intervenção nos processos organizacionais. O livro sinaliza a importância dos aspectos histórico, institucional, individual e grupal, entre outros, como recortes que se articulam na explicação dos problemas e desafios dos serviços de saúde.

(* Fernanda Marques é jornalista da Editora Fiocruz)


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