O homem contemporâneo
vivencia uma série de paradoxos. Tomado por um mal-estar constante busca
reconhecimento e, ao mesmo tempo, tem grande dificuldade de perceber e
valorizar o outro. Aqueles que atuam na gestão ou no cuidado em saúde vivem os
mesmos desafios acrescidos das pressões do mundo do trabalho, que também recaem
sobre esses profissionais. Os valores dominantes na atualidade – onde os laços
sociais se enfraquecem e o domínio privado recrudesce em detrimento do público
– parecem seguir na contramão dos princípios da Reforma Sanitária, o que coloca
um imenso desafio para o campo da saúde coletiva. Para fazer face a esse
processo em curso de descuido sistemático com as pessoas e valorização
exagerada da racionalidade, autores propõem uma abordagem diferenciada de
pesquisa e intervenção, apresentada no livro Subjetividade, Gestão e Cuidado em
Saúde: abordagens da psicossociologia, das pesquisadoras da ENSP Creuza da
Silva Azevedo e Marilene de Castilho Sá (orgs.), lançamento da Editora Fiocruz.
O livro não pretende ser
um instrumento normativo ou uma ‘caixa de ferramentas’. Apresenta, porém, uma
abordagem teórico-metodológica diferenciada que pode ser muito útil àqueles que
desejam estudar e transformar a atual dinâmica da gestão e do cuidado em saúde.
Trata-se de um caminho de investigação que vem sendo trilhado pelas
organizadoras do livro e que articula três eixos, trazendo-os para o campo da
saúde: a abordagem da psicossociologia francesa sobre as organizações e a
sociedade (de Eugène Enriquez e André Lévy); a teoria psicanalítica sobre os
processos intersubjetivos e grupais (de René Kaës); e a psicodinâmica do
trabalho (de Christophe Dejours).
A coletânea tem 14
capítulos e está dividida em duas partes. A primeira traz uma discussão
teórico-conceitual e se encerra com a exposição de bases metodológicas para a
abordagem proposta – são as contribuições das narrativas de vida e da clínica
psicossociológica. Ao longo de todo o livro, evidenciam-se os desafios
colocados pela dimensão subjetiva do processo de trabalho em saúde, altamente
exigente de elaborações psíquicas e de inventividade, em virtude do contato
diário com a dor, a morte e o sofrimento alheios. Do mesmo modo, colocam-se os
desafios para o trabalho gerencial, que, pela centralidade de sua dimensão
intersubjetiva, assim como o trabalho em saúde, apresenta elevado grau de
descontrole.
Creuza e Marilene, ambas
doutoras em psicologia e pesquisadoras da Escola Nacional de Saúde Pública
(ENSP/Fiocruz), apoiadas na leitura psicossociológica sobre as organizações e o
imaginário social, compreendem os serviços de saúde como um universo simbólico
e imaginário. De acordo com as organizadoras do livro, as possibilidades de
mudança dependem do fortalecimento de dispositivos e processos de gestão e de
organização do trabalho que favoreçam aos gestores e trabalhadores o acesso a
sua própria subjetividade. Desse modo, eles reconheceriam as fontes de seu
sofrimento e prazer no trabalho, os vínculos afetivos que os ligam à
organização e o sentido do trabalho em suas vidas.
Já a segunda parte do livro
reúne estudos empíricos e exemplos de intervenções orientados pela abordagem
proposta pelas organizadoras. São pesquisas e/ou ações em hospitais, em
serviços de atenção psicossocial, em uma unidade de saúde da família e em um
serviço especializado de oncologia pediátrica, além de uma intervenção clínica
psicossociológica em um curso de gestão da Ensp. Apesar das fragilidades
identificadas nas práticas predominantes no SUS, analisam-se as possibilidades
de mudança no cuidado e na gestão, pautadas pela capacidade de escuta, pelos
espaços de diálogo e troca e pela inventividade no cotidiano do trabalho.
As diferentes
experiências apresentadas buscam ressaltar que o cuidado e a gestão, quando
demasiadamente centrados na racionalidade médica e instrumental, podem não só
dificultar a solidariedade entre os sujeitos, mas também agravar a indiferença
em relação ao sofrimento do outro. Neste sentido, os trabalhos apresentados na
segunda parte do livro demonstram a importância da dimensão subjetiva e dos
processos intersubjetivos na produção do cuidado, na gestão e na própria
formação dos profissionais de saúde.
Assim, Subjetividade,
Gestão e Cuidado em Saúde: abordagens da psicossociologia traz a necessidade de
se ampliar o foco de análise e de intervenção nos processos organizacionais. O
livro sinaliza a importância dos aspectos histórico, institucional, individual
e grupal, entre outros, como recortes que se articulam na explicação dos
problemas e desafios dos serviços de saúde.
(* Fernanda Marques é
jornalista da Editora Fiocruz)
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